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INFERTILIDADE E AS SUAS IMPLICAÇÕES

"Estás à espera de quê para ter um bebé?", "Estás casada, não achas que já está na hora?, "Não queres ter filhos, é isso?"... Estes são apenas alguns exemplos de perguntas inconvenientes, muitas vezes dirigidas a pessoas que estão a sofrer em silêncio por não conseguirem engravidar. A infertilidade é um problema bastante recorrente mas a sociedade ainda não está preparada para lidar com ele.
Hoje as palavras não são minhas. Hoje as palavras são de alguém que passou por um longo processo até conseguir, finalmente, engravidar.
Para que a partir de agora tenhamos mais cautela a abordar o tema "bebés" e que consigamos entender e respeitar ainda mais a dor de quem passa por tal situação, deixo-vos com as palavras da Ana.

***

O meu nome é Ana, tenho 33 anos e escrevo porque sou uma mamã, mas até aqui passei por um longo e complicado caminho. Escrevo também porque acredito que possa ser libertador para mim, mas sobretudo porque poderá ajudar outras mulheres a perceber as implicações da infertilidade e a perceber que não estão sozinhas!

Decidi assumir a minha identidade para combater o estigma. Por um lado, a dificuldade que as mulheres, como eu, têm de lidar com os tratamentos de procriação medicamente assistida e por outro a forma como a sociedade olha para nós, nós que no caminho somos quem mais sofre e a quem mais pesa… Não quero ser um exemplo, sou apenas um caso, entre tantas outras mulheres que procuram realizar um sonho.

Quando casei em 2013 com 27 anos, levava comigo o sonho de ser mãe em breve e, como a maior parte das mulheres, não me passou pela cabeça não conseguir.

Fiz tudo como deve ser, consultei a minha ginecologista antes das tentativas e fiz análises. Aparentemente tudo ia correr bem e dentro de algum tempo iríamos ter o tão desejado positivo. Mas isso não aconteceu. O tempo ia passando e não acontecia.

Comecei a ter sentimentos de desconcerto e incompreensão. Nessa mesma altura toda a gente à minha volta, toda essa gente que não faz ideia do que se passa, acha coisas: “é o stress” , “ vais ver que quando deixares de pensar nisso, vai acontecer”... Agradeço as palavras, mas como se deixa de pensar em algo que se quer tanto?! Não se deixa!!! E isso só nos faz sentir ainda mais culpadas. Porque mais uma vez a culpa é nossa! Porque andamos stressadas e não deixamos de pensar no assunto. Hoje sei que é um completo disparate! A culpa não é nossa!

Certo é que a sociedade não está preparada para compreender a dor da mulher que não consegue engravidar e muitas vezes esta barreira social é muito cruel. Começa a pressão social para que o casal tenha filhos e temos que lidar diariamente com esta pressão “para quando um bebê “ , “já está na hora” ou então aqueles que nos são mais próximos e que acham que ajuda dizer “não faz mal, assim ficam mais livres” também não é isto que queremos ouvir. Na verdade, pouco há que queiramos ouvir.

Naquele momento não queremos liberdade, queremos ser pais! Todas estas frases foram demolidoras para nós que estamos a tentar conviver com uma situação de desânimo e frustração. É comum nesta fase que nem o companheiro consiga entender o sofrimento da mulher e isto pode ser uma prova de fogo para a relação. É normal que surjam sentimentos de raiva e incompreensão e que a mulher procure algo que justifique esta situação tão penosa. Muitas vezes procuramos justificações para tal, achamos que fizemos algo de errado e tentamos culpar-nos, depois lá vem a sociedade novamente: “se calhar tomaste a pílula muito tempo”, tudo isto penaliza ainda mais a mulher. Chega um momento em que já só conseguimos sentir pena de nós próprias.

Quando decidimos procurar ajuda especializada as coisas não ficam mais fáceis. Temos um longo processo pela frente e durante muito tempo continuamos sem respostas. Nesta fase começamos a ponderar a adoção e claro os tão falados tratamentos de procriação medicamente assistida (sobre estes dois temas seriam precisas mais umas quantas páginas).

O grande problema é que, na maior parte das vezes, quando a mulher chega a estas técnicas já traz um cansaço físico e emocional muito grande. Normalmente, já viu todas as suas amigas engravidarem, já respondeu a milhares de perguntas inconvenientes e já chorou sozinha durante muitas noites. Muitos testes de gravidez feitos ao longo deste tempo, sem nunca ter o tão esperado Cor de Rosa. No meu caso, foram sensivelmente 5 anos.

O sucesso dos tratamentos de fertilidade têm, na minha opinião, uma grande relação com o estado emocional da mulher. É por isso que aconselho todas as mulheres a terem apoio psicológico durante os tratamentos. Hoje sei o que é passar por este tipo de tratamentos e é tudo menos fácil. É preciso que o casal esteja mentalizado para a possibilidade dos tratamentos não funcionarem. E isso emocionalmente não é fácil.

Hoje quase com o Afonso nos meus braços, ainda me custa a acreditar que conseguimos. Foi um caminho longo, desanimámos muitas vezes mas, no fim, vale tudo a pena.

Acredito que a sociedade tenha de mudar a forma como lida com a mulher que passa por esta situação. Não é vergonha nenhuma não o conseguir naturalmente e hoje sei que não sou menos mulher por o meu filho ser o resultado de uma fertilização in Vitro.

Acredito que só grandes mulheres passam por batalhas destas e sobrevivem e são muitas mais do que imaginamos. A todas elas presto a minha homenagem. E claro ao meu marido que esteve sempre do meu lado em todos os estados de alma. Obrigada.
                       
Ao meu amor maior, o Afonso.

***

Obrigada querida Ana por te teres disponibilizado a fazer esta partilha tão pessoal. Acredito que muitas mulheres se vão rever na tua história e espero que a tua experiência dê esperança a quem está a passar pela situação neste momento.

Um grande beijinho para todas vocês.
Encontramo-nos na próxima terça feira.
Até lá,
Flávia



Comentários

  1. Flavia, muitos parabéns por abordares este tema que me é tão familiar. Felizmente não cheguei à fase dos tratamentos.. Lá está, estava tudo bem e querer tanto tinha tanta força que era "apenas" uma questão psicológica.... Sobretudo na parte em que nos dizem que quando deixarmos de pensar nisso, acontece... Como eu te compreendo Ana. Mentia a todos, ao meu marido inclusive, mas a mim mesma não. Adormecia e acordava a pensar nisso...
    Tinha a primeira consulta marcada... Já não fui... Engravidei!!! ��
    Hoje passados 2 anos dou por mim a olhar para o Manel e a pensar que estou a sonhar, mas depois ele dá-me um abracinho ou um bjinho e diz "amo-te muito minha mãe" e eu desço à terra e vejo que é mesmo real!!! Bjinhos para todas as mamãs e muito força e coragem às meninas nesta situação. Peçam ajuda não sofram em silêncio sozinhas... Não estamos sozinhas e a culpa não é nossa!! ��

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    Respostas
    1. Obrigada pela tua partilha Carina! Este problema é de facto muito mais comum do que pensamos. Espero que este post ajude a reduzir as perguntas inconvenientes. Beijinhos

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